Estudo com raios gama leva a física ao limite

 A velocidade da luz continua imbatível: físicos acabam de confirmar, com a maior precisão já alcançada, que ela é exatamente a mesma em todas as direções e para qualquer observador, exatamente como Albert Einstein previu há mais de um século

Imagem via NASA 

Tudo começou em 1887, quando os americanos Albert Michelson e Edward Morley fizeram um experimento que entraria para a história. Eles queriam medir se a Terra, ao se mover pelo espaço, alterava a velocidade da luz dependendo da direção – um pouco como o vento afeta a velocidade de um avião. Para surpresa de todos, não encontraram diferença alguma.

Esse “resultado nulo? foi um dos mais importantes da ciência: ele mostrou que a luz viaja sempre à mesma velocidade, não importa o movimento de quem a mede. Foi essa descoberta que deu a Einstein a pista definitiva para criar a teoria da relatividade especial, cujo princípio central é que as leis da física são iguais para todos os observadores, independentemente de quão rápido estejam se movendo uns em relação aos outros. Esse conceito recebeu o nome de invariância de Lorentz.

Com o tempo, a física quântica também adotou essa ideia como base. Tanto a teoria quântica de campos quanto o Modelo Padrão – a teoria mais testada e confirmada da história da ciência – dependem de que a velocidade da luz seja absolutamente constante.

Então por que, depois de 115 anos de sucessos ininterruptos, alguém ainda duvidaria disso?

A resposta está na outra grande teoria de Einstein: a relatividade geral, que explica a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo. Ela também passou por testes rigorosíssimos e se mostrou correta tanto em campos gravitacionais fracos quanto nos mais intensos, perto de buracos negros. O problema é que, quando cientistas tentam unir a relatividade geral com a mecânica quântica para criar uma teoria da gravidade quântica, quase todas as propostas acabam precisando “quebrar? um pouquinho essa invariância de Lorentz. É uma quebra minúscula, quase imperceptível, mas que poderia aparecer em situações extremas.

Por isso o espírito do experimento de Michelson e Morley continua vivo. Só que agora, em vez de espelhos e luz visível num laboratório, os cientistas usam o próprio Universo como laboratório.

Uma das previsões de várias teorias de gravidade quântica que violam a invariância de Lorentz é que a velocidade da luz poderia depender, mesmo que muito pouco, da energia do fóton. Quanto maior a energia, maior a chance de percebermos essa diferença. E os fótons mais energéticos que conhecemos são os raios gama de altíssima energia, que viajam bilhões de anos-luz até chegar à Terra.

Uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e do Instituto de Estudos Espaciais da Catalunha (IEEC), com participação de cientistas de Portugal, analisou uma enorme quantidade de dados desses raios gama vindos de fontes distantíssimas no cosmos. Como os fótons de energias diferentes saem ao mesmo tempo de explosões cósmicas violentas, qualquer diferença mínima na velocidade se acumula ao longo de bilhões de anos e pode aparecer como um atraso na hora em que chegam aqui.

Usando um novo método estatístico, o grupo testou os parâmetros mais aceitos atualmente pelas teorias que preveem violação da invariância de Lorentz. O objetivo era claro: tentar provar que Einstein estava errado, nem que fosse por uma fração minúscula. Não conseguiram. Pelo contrário: os novos limites são dez vezes mais rigorosos que os anteriores, reforçando ainda mais que a velocidade da luz é realmente constante.

A busca, porém, não para. Observatórios da próxima geração, como o futuro Cherenkov Telescope Array, prometem detectar raios gama ainda mais energéticos e de distâncias ainda maiores. Se um dia a invariância de Lorentz for mesmo quebrada, será provavelmente ali que vamos perceber o primeiro sinal. Até lá, Einstein segue vencendo – e a física continua empurrando seus próprios limites para tentar descobrir onde, afinal, o gênio pode ter errado.

Terrarara.com.br

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