Galáxias binárias: vida em comum, nem sempre harmoniosa...

CMG 49, constituído pelas galáxias NGC 672, à direita, e IC 1727. Este par está em forte interação gravitacional de maré, como pode ser testemunhado pela estrutura interna perturbada de IC 1727. A distância é de 30 milhões de anos luz. Note, acima e um pouco à esquerda de IC 1727, uma galáxia espiral de perfil, muito mais distante do que CMG 49, e com uma cor mais avermelhada. (Alan Chen)

Sabemos hoje, graças às imagens do céu obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble, que existem mais de 100 bilhões de galáxias no universo. O número de estrelas que existem numa galáxia é de 100 milhões, nas galáxias anãs, e de mais de 100 bilhões, nas galáxias gigantes. A Via Láctea possui cerca de 100 bilhões de estrelas. Já a galáxia elíptica gigante M87 possui mais de 3.000 bilhões de estrelas, o que representa 20 a 30 vezes mais do que a Via Láctea. As galáxias se aglomeram no universo por causa da atração gravitacional -- matéria atrai matéria. A menor 'aglomeração' de galáxias é aquela formada por duas galáxias: as galáxias binárias, que serão discutidas em mais detalhes aqui. Mas existem aglomerações, ou grupos, maiores. 

Desde grupos de três galáxias até grandes aglomerados de 50 a milhares de galáxias. Em 1923, o astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953) mostrou que o universo era constituído de galáxias, ao demonstrar de maneira inequívoca que a nebulosa de Andrômeda -- uma 'mancha' luminosa no céu -- era, na verdade, um sistema de estrelas muito distante e independente de nossa Via Láctea. Imediatamente outras galáxias forma identificadas, pelo próprio Hubble e por outros astrônomos. 

Já no início da década de 1930, um astrônomo sueco, Erik Holmberg (1908-2000), começou a investigar as aglomerações das galáxias, em seu trabalho de doutoramento. E em 1937 concluiu a sua tese, intitulada 'Um estudo de galáxias duplas e múltiplas'. Este foi o primeiro trabalho científico sobre galáxias binárias. Por que estudar galáxias binárias? Há várias razões para isto, mas o mais óbvio é que tal estudo permite a determinação das massas das galáxias! E isto todos nós gostaríamos de saber.

Quantas estrelas existem numa galáxia? Qual é a sua massa total? Da mesma forma que podemos medir a massa da Terra, simplesmente pela observação de um corpo qualquer em queda na sua superfície, também podemos medir a massa de uma galáxia observando e medindo a sua velocidade ao redor de uma galáxia companheira. É claro que precisamos de uma lei de atração gravitacional, e nós já a temos: a lei da atração gravitacional de Newton.

Arp 87, uma galáxia binária fortemente interagente. A galáxia da direita é NGC 3808, uma galáxia espiral vista de frente. A outra galáxia é NGC 3808A, uma espiral vista de perfil. Note a extensão de um dos braços de NGC 3808 envolvendo o disco de NGC 3808A. As estrelas deste braço estão agora presas, pela força gravitacional, a NGC 3808A. Este sistema deverá se fundir nas próximas centenas de milhões de anos. (Telescópio Espacial Hubble)

O estudo de galáxias binárias possui uma complicação natural: os períodos orbitais são, em geral, da ordem de centenas de milhões de anos! Ao contrário das estrelas binárias, cujos períodos orbitais podem ser de horas, dias ou meses, e podemos medir diretamente o movimento orbital, aqui isto não é possível. Só temos acesso, para cada par, à separação orbital e à velocidade orbital num único instante. Por isto, o estudo das galáxias binárias deve ser um estudo eminentemente estatístico. Estudamos amostras de galáxias binárias, supondo que cada galáxia binária da amostra representa uma galáxia binária em um determinado instante de uma órbita média da amostra. 

E assim podemos fazer o cálculo da massa média de um par. Foi isto que Holmberg fez, e para isto ele teve que determinar um catálogo de galáxias binárias. E foi isto que eu também fiz em meu trabalho de doutoramento, mais de 50 anos depois de Holmberg. Analisei detalhadamente um catálogo, originalmente determinado por meu orientador, o astrônomo holandês Tjeerd van Albada. O chamado 'Catálogo de Galáxias Múltiplas', cuja sigla é CMG, possui mais de 300 pares de galáxias e mais de 200 grupos de galáxias.

O par CMG 49, mostrado aqui, apresenta uma característica típica, nos casos em que as galáxias estão relativamente próximas uma da outra. Trata-se da interação gravitacional de marés cuja principal manifestação é a perturbação da estrutura interna das galáxias. Uma das galáxias deste par, IC 1727, apresenta sinais de significativa alteração de sua estrutura geral. A parte central da galáxia está deslocada relativamente ao disco, e este é assimétrico. A 'harmonia' na convivência galáctica só ocorre quando a separação espacial entre as galáxias é muito maior que os seus tamanhos individuais, como deve ser o caso de CMG 558, mostrado anteriormente. 

Naquela imagem, as galáxias parecem estar próximas, mas na verdade isto é uma ilusão de perspectiva. Elas estão próximas no plano do céu. A ausência de sinais de interação indica que elas devem estar bastante separadas no espaço! Aqui, a galáxia mais fraca do par, NGC 7339, deve estar muito mais distante, isto é, situada mais profundamente no espaço do que a sua companheira NGC 7332.
 
Para finalizar, um caso ao mesmo tempo belo e assustador de convivência galáctica não harmoniosa. Trata-se do par Arp 87, da lista de galáxias peculiares determinada pelo astrônomo norte-americano Halton Arp. Ele foi espetacularmente 'capturado' pelo Telescópio Espacial Hubble. O caso de Arp 87 não é um exemplo incomum no universo. Estes sistemas binários estão em interação gravitacional tão forte, devido à proximidade das galáxias, que em breve -- em centenas de milhões de anos -- deverão se fundir em um só sistema estelar.

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