Galáxia anémica revela deficiências na teoria da formação de galáxias ultra-difusas

DGSAT I (esquerda), uma galáxia ultra-difusa (UDG), vista ao lado de uma galáxia espiral normal (direita) para efeitos de comparação. Ambas são similares em tamanho, mas as UDGs como DGSAT I têm tão poucas estrelas, que podemos ver através delas, como por exemplo galáxias no plano de fundo.Crédito: A. Romanowsky/Observatórios da Universidade da Califórnia/D. Martinez-Delgado/ARI

Uma equipe de astrónomos liderada pelos Observatórios da Universidade da Califórnia estudou em grande detalhe uma galáxia tão ténue e em condições tão pristinas que age como uma cápsula do tempo, selada logo após o alvorecer do nosso Universo, apenas para ser desvendada pela mais recente tecnologia do Observatório W. M. Keck. Usando o instrumento KCWI (Keck Cosmic Web Imager), a equipa descobriu uma galáxia ultra-difusa (UDG, "ultra-diffuse galaxy") bizarra e solitária.

Esta galáxia fantasmagórica, de nome DGSAT I, contradiz a teoria atual da formação de UDGs. Todas as UDGs estudadas anteriormente encontram-se em enxames galácticos, que informaram a base para a teoria de que já foram galáxias "normais", mas que com o tempo tornaram-se "confusões felpudas" devido a eventos violentos dentro do aglomerado.

"Parecia haver uma imagem relativamente clara das origens das galáxias, das espirais às elípticas, e das gigantes às anãs," disse o autor principal Ignacio Martín-Navarro, académico pós-doutorado dos Observatórios da Universidade da Califórnia. "No entanto, a recente descoberta de UDGs levantou novas questões sobre o quão completa é esta imagem. Todas as UDGs já estudadas em detalhe, até agora, encontravam-se em enxame de galáxias: regiões densas de interações violentas onde as características das galáxias, durante o nascimento, foram misturadas por uma adolescência difícil."

Os resultados da equipa serão publicados na edição de 11 de abril de 2019 da revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e está disponível online. Dado que DGSAT I é uma exceção rara de uma UDG descoberta longe de um enxame, pode fornecer uma janela mais clara para o passado. Não houve muita atividade em seu redor para manchar a sua composição e evolução. A fim de descobrir o que fez com que esta galáxia fosse tão esparsa no que toca à luz estelar, a equipa usou o KCWI para mapear a composição do objeto.

"A composição química de uma galáxia fornece um registo das condições ambientais aquando da sua formação, tal como os oligoelementos no corpo humano podem revelar uma vida inteira de hábitos alimentares e exposição a poluentes," disse o coautor Aaron Romanowsky, astrónomo dos Observatórios da Universidade da Califórnia e Professor Associado do Departamento de Física e Astronomia da Universidade Estatal de San José.

DGSAT I surpreendeu os investigadores com a sua composição química. As galáxias de hoje costumam ter elementos mais pesados, como ferro e magnésio, em comparação com as galáxias primitivas nascidas logo após o Big Bang. Mas o KCWI revelou que DGSAT I parece ser anémica; o teor de ferro da galáxia é notavelmente baixo, como se fosse formada a partir de uma nuvem de gás quase pristino, sem estar poluída pela morte de estrelas anteriores (supernovas). E, no entanto, os níveis de magnésio de DGSAT I são normais, consistentes com o que os astrónomos esperam encontrar nas galáxias modernas. Isto é estranho, porque ambos os elementos são libertados durante as explosões de supernova; normalmente não encontramos um sem o outro.

"Nós não compreendemos esta combinação de poluentes, mas uma das nossas ideias é que as explosões extremas das supernovas fizeram a galáxia pulsar em tamanho durante a sua adolescência, de modo que retém preferencialmente magnésio em relação ao ferro," disse Romanowsky.

As UDGs são uma classe relativamente nova de galáxias descobertas pela primeira vez em 2015. São tão grandes quanto a Via Láctea, mas têm entre 100 e 1000 vezes menos estrelas do que a nossa Galáxia, o que as torna pouco visíveis e difíceis de estudar. O instrumento KCWI está construído para superar este obstáculo graças à sua extrema sensibilidade e capacidade para capturar espetros de alta-resolução dos objetos mais fracos e mais distantes do nosso Universo como as UDGs.

"Há apenas um outro instrumento no mundo com as capacidades do KCWI que nos permite medir a composição química de galáxias com baixo brilho superficial," disse o coautor Jean Brodie, Professor de Astronomia e Astrofísica dos Observatórios da Universidade da Califórnia. "Mas esse está no hemisfério sul, onde não temos uma boa vista de DGSAT I, que fica no hemisfério norte."

O KCWI realiza um tipo de observação chamada espectroscopia de campo integral, que captura dados em 3D em vez de 2D. Tradicionalmente, havia duas maneiras dos astrónomos estudarem objetos celestes, seja por meio de imagens ou por espectroscopia. Este instrumento quebra a barreira entre os dois. Numa única observação, o KCWI captura a imagem, bem como o espectro de cada pixel na imagem, o que revela as propriedades físicas do objeto, como a composição, a temperatura, a velocidade e mais.

"São para estes tipos de observações que construímos o KCWI; para continuar a empurrar a fronteira de obter o máximo de informações dos objetos mais fracos," explicou John O'Meara, cientista-chefe do Observatório Keck. "Estamos muito animados para ver quantos objetos como DGSAT I podemos estudar com o Keck e para continuar a transformar a nossa compreensão de como as galáxias se formam e mudam com o tempo."

Os cientistas planeiam usar o KCWI novamente, desta vez para levar a cabo uma observação mais profunda de outra UDG parecida com DGSAT I; planeiam extrair a sua composição em maior detalhe na esperança de desvendar mais dados que possam ajudar os astrónomos a se concentrarem na origem das UDGs.

"Foram apresentadas várias ideias, desde as mais mundanas até às mais exóticas. Uma possibilidade intrigante é que algumas destas galáxias fantasmagóricas são fósseis vivos do alvorecer do Universo, quando as estrelas e as galáxias emergiram num ambiente muito diferente do de hoje", realçou Romanowsky. "O seu nascimento é realmente um mistério fascinante que a nossa equipa está a trabalhar para resolver."
Fonte: Astronomia OnLine

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