Ausência de matéria escura em galáxia distante desafia cientistas
Essa é a situação atualmente enfrentada por cientistas do ASTRON, o
instituto de radioastronomia da Holanda, que se depararam com a galáxia “AGC
114905”, localizada há 250 milhões de anos-luz da Terra: “nós não podemos
explicar isso com nenhuma teoria atualmente existente”, disse Mancera Piña,
autor primário de um novo paper que estuda a galáxia elusiva.
Em termos de cosmologia, a “matéria escura” é o tipo de matéria formada
por partículas que não absorvem, emitem nem interagem com a luz. Por causa
disso, ela não pode ser diretamente observada, e nós só conseguimos perceber a
sua presença por meio de radiação eletromagnética e a influência de sua força
gravitacional em corpos celestes próximos. Estima-se que 25% do universo
conhecido é feito de matéria escura.
No caso da AGC 114905, porém, as coisas ficam um pouco mais
complicadas: oficialmente classificada como uma galáxia “ultradifusa”, ela tem
mais ou menos o mesmo tamanho da nossa Via Láctea, mas mil vezes menos estrelas
que a nossa casa. Consequentemente, observar a galáxia descoberta em 2019 é um
pouco mais difícil.
Naquele ano, Piña e seus colegas olharam para a AGC 114905, suspeitando
que não houvesse matéria escura na galáxia por causa da velocidade com que ela
executava sua rotação – a velocidade desse movimento indica quantas coisas
existem dentro de uma galáxia: gás, poeira cósmica e estrelas, por exemplo. Com
isso, astrônomos podem fazer um cálculo reverso e determinar quanta matéria
escura corresponde à velocidade observada.
Mas porque ela tem pouca luminosidade e brilho, ficou difícil
determinar a velocidade real de rotação da galáxia, então os cientistas
decidiram recorrer ao Very Large Array (VLA), o observatório de grande porte no
Novo México, para mapear os gases da AGC 114905.
Com isso, eles conseguiram saber quão rápido a galáxia gira e começar a
calcular quanta matéria escura há lá dentro. E com base nas observações
obtidas, a conclusão à qual eles chegaram foi…nenhuma. Segundo Piña,
simplesmente não há espaço, na configuração atual, para que houvesse qualquer
teor de matéria escura na galáxia.
Os especialistas dizem que galáxias ultradifusas com pouca ou nenhuma
matéria escura não são uma novidade, mas que isso costuma acontecer quando
essas galáxias estão perto de outras bem mais massivas. Assim, os objetos
gigantes vão aos poucos “puxando para si” a matéria escura presente nos objetos
menores.
Em outras palavras: não tem nada hoje, mas já teve alguma coisa antes.
Só que a AGC 114905 não está perto de nenhuma galáxia massiva, então
essa teoria não se aplica a ela. Piña ressalta que teorias astronômicas atuais
dependem de um tipo específico de matéria escura (chamado “matéria escura
fria”) para justificar a formação de galáxias. Mas se essas teorias não
explicam objetos estranhos como a AGC 114905, é possível que a “matéria fria
escura” não seja tão essencial assim.
“Nós estamos tentando entender o que é de fato a matéria escura por
pelo menos 50 anos, mas parece que chegamos em um beco sem saída”, disse o
astrônomo. Segundo Pieter van Dokkum, um astrônomo especializado em matéria
escura da Universidade de Yale (não envolvido no novo estudo), as conclusões
obtidas por Peña e equipe são “promissoras”, mas urge que novas pesquisas sejam
conduzidas a partir do material obtido.
“Com certeza haverá um longo debate”, ele disse. “Grandes afirmações
exigem evidências extraordinárias”.
Agora, Peña e sua equipe pretendem “encorpar” seu estudo ao buscar uma
ou mais galáxias ultradifusas livres de matéria escura. O paper atual está
hospedado no arXiv, aguardando revisão dos pares. Se aprovado, ele deve ir ao
ar na próxima edição do Royal Astronomical Society.
Fonte: Olhar Digital
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