Um raro binário "viúva negra", com a órbita mais curta até agora
Os astrónomos conhecem cerca de duas dúzias de "binários de viúvas
negras" na Via Láctea. Este novo candidato, chamado ZTF J1406+1222, tem o
período orbital mais curto até agora identificado, com o pulsar e a estrela
companheira a orbitarem-se um ao outro a cada 62 minutos. O sistema é único, na
medida em que parece abrigar uma terceira estrela, distante, que orbita em
torno das duas estrelas interiores de 10.000 em 10.000 anos.
Esta provável viúva negra tripla está a levantar questões sobre como um
tal sistema pode ter sido formado. Com base nas suas observações, a equipa do
MIT propõe uma história de origem: tal como a maioria dos binários de viúvas negras,
o sistema triplo provavelmente surgiu de uma densa constelação de estrelas
velhas conhecida como enxame globular. Este enxame em particular pode ter-se
dirigido para o centro da Via Láctea, onde a gravidade do buraco negro central
foi suficiente para fragmentar o enxame, deixando intacta a viúva negra tripla.
"É um cenário complicado de nascimento," diz Kevin Burdge,
pós-doutorado no Departamento de Física do MIT. "Este sistema flutua
provavelmente na Via Láctea há mais tempo do que o Sol."
Burdge é o autor de um estudo publicado na revista Nature que detalha a
descoberta da equipa. Os investigadores utilizaram uma nova abordagem para
detetar o sistema triplo. Enquanto a maioria dos binários de viúvas negras são
encontrados através dos raios-gama e raios-X emitidos pelo pulsar central, a
equipa utilizou a luz visível, e especificamente o piscar da estrela
companheira do binário, para detetar ZTF J1406+1222.
"Este sistema é realmente único até no que toca às viúvas negras,
porque encontrámo-lo no visível, e devido à sua ampla companheira e ao facto de
ter vindo do Centro Galáctico," explica Burdge. "Ainda há muito que
não compreendemos sobre ele. Mas temos uma nova forma de procurar estes
sistemas no céu."
Os coautores do estudo são colaboradores de múltiplas instituições,
incluindo a Universidade de Warwick, do Caltech, da Universidade de Washington,
da Universidade McGill e da Universidade de Maryland.
Dia e noite
Os binários de viúvas negras são alimentados por pulsares - estrelas de
neutrões de rotação rápida que são os núcleos colapsados de estrelas massivas.
Os pulsares têm um período de rotação vertiginoso, girando a cada poucos
milissegundos e emitindo no processo flashes de raios-gama e raios-X altamente
energéticos.
Normalmente, os pulsares diminuem a sua rotação e morrem relativamente
depressa à medida que queimam uma enorme quantidade de energia. Mas de vez em
quando, uma estrela passageira pode dar uma nova vida ao pulsar. Quando uma
estrela se aproxima, a gravidade do pulsar retira material da estrela, o que
fornece nova energia à sua rotação. O pulsar "reciclado" começa então
a reirradiar energia que retira ainda mais material à estrela, eventualmente
destruindo-a.
"Estes sistemas são chamados de viúvas negras devido à forma como
o pulsar consome o objeto que a reciclou, tal como a aranha come o seu
companheiro," diz Burdge.
Todos os binários de viúvas negras até à data foram detetados através
dos flashes de raios-gama e raios-X do pulsar. ZTF J1406+1222 foi o primeiro
sistema do género a ser detetado graças ao flash ótico da estrela companheira.
Ao que parece, o lado diurno da estrela companheira - o lado
perpetuamente virado para o pulsar - pode ser muitas vezes mais quente do que o
seu lado noturno, devido à constante radiação altamente energética que recebe
do pulsar.
"Pensei, em vez de procurar diretamente o pulsar, tentar procurar
a estrela que este está a 'cozinhar'," salientou Burdge.
Ele argumentou que se os astrónomos observassem uma estrela cujo brilho
mudava periodicamente em grande quantidade, isso seria um sinal forte de que
estava num binário com um pulsar.
Movimento estelar
Para testar esta teoria, Burdge e colegas examinaram dados óticos
obtidos pelo ZTF (Zwicky Transient Facility), um observatório no estado
norte-americano da Califórnia que recolhe imagens de campo amplo do céu
noturno. A equipa estudou o brilho das estrelas para ver se alguma estava a
mudar dramaticamente por um factor de 10 ou mais, numa escala de tempo de cerca
de uma hora ou menos - sinais que indicam a presença de um pulsar em órbita
íntima.
A equipa foi capaz de discernir a dúzia de binários de viúvas negras
conhecidos, validando a precisão do novo método. Depois avistaram uma estrela
cujo brilho mudava por um factor de 13, a cada 62 minutos, indicando que fazia
provavelmente parte de um novo binário viúva negra, que rotularam de ZTF
J1406+1222.
Procuraram a estrela em observações feitas pelo Gaia, um telescópio
espacial operado pela ESA que mantém medições precisas da posição e movimento
das estrelas no céu. Analisando medições da estrela para trás no tempo, graças
aos dados do SDSS (Sloan Digital Sky Survey), a equipa descobriu que o binário
estava a ser seguido por outra estrela distante. A julgar pelos seus cálculos,
esta terceira estrela parecia estar a orbitar o binário interior a cada 10.000
anos.
Curiosamente, os astrónomos não detetaram diretamente emissões de
raios-gama ou raios-X do pulsar no binário, que é a forma típica de confirmação
das viúvas negras. ZTF J1406+1222, portanto, é considerado um candidato a
binário viúva negra, que a equipa espera confirmar com futuras observações.
"A única coisa que sabemos ao certo é que vemos uma estrela com um
lado diurno muito mais quente do que o lado noturno, orbitando algo a cada 62
minutos," acrescenta Burdge. "Tudo parece apontar para o facto de ser
um binário viúva negra. Mas há aqui algumas coisas estranhas, por isso é
possível que seja algo inteiramente novo."
A equipa planeia continuar a observar o novo sistema, bem como a
aplicar a técnica ótica para iluminar mais estrelas de neutrões e viúvas negras
no céu
Fonte: Astronomia OnLine
Comentários
Postar um comentário
Se você achou interessante essa postagem deixe seu comentario!