Vida extraterrestre em Encélado? Uma descoberta intrigante nos arquivos da Cassini...
Os gêiseres de Encélado, esta lua gelada de Saturno, continuam a revelar seus segredos muito tempo depois da passagem da sonda Cassini. Vinte anos após as primeiras amostras coletadas, uma análise minuciosa dos dados de arquivo permitiu uma descoberta notável.
Representação artística das
plumas emanando das fraturas em listras de tigre em Encélado. Crédito:
NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute/Lunar and Planetary Institute
Nas profundezas dos dados do
Cosmic Dust Analyzer, o instrumento alemão embarcado na Cassini, os cientistas
identificaram moléculas orgânicas complexas que haviam escapado às primeiras
análises. Estes compostos carbonados, essenciais aos processos biológicos,
encontram-se nos grãos de gelo ejetados diretamente das plumas antes que
atinjam o anel E de Saturno. A velocidade de impacto elevada das partículas no
detector, atingindo 18 quilómetros por segundo, permitiu revelar assinaturas
químicas que as colisões mais lentas mascaravam anteriormente.
A origem oceânica destas
moléculas representa um argumento decisivo para os investigadores. Ao contrário
das partículas do anel E que sofrem a influência da radiação da magnetosfera
saturniana, os grãos analisados diretamente nas plumas provêm do oceano subterrâneo
de Encélado sem alteração espacial. Esta descoberta afasta as dúvidas relativas
à formação destes compostos por irradiação e confirma a sua proveniência das
profundezas da lua. A equipa de Nozair Khawaja pôde assim estabelecer uma
ligação direta entre a química do oceano oculto e as amostras coletadas no
espaço.
Entre as novas moléculas
identificadas figuram compostos alifáticos, ésteres cíclicos, éteres e
substâncias contendo azoto e oxigénio. Na Terra, estas moléculas participam nas
reações químicas que conduzem à formação dos aminoácidos e outros blocos fundamentais
da vida. A sua presença no oceano de Encélado sugere a existência de processos
químicos sofisticados capazes de gerar uma diversidade molecular significativa
neste ambiente extraterrestre.
Algumas pesquisas recentes
trazem, no entanto, nuances importantes. Um estudo liderado por Grace Richards
do Istituto Nazionale di Astrofisica e Planetologia Spaziale indica que a
radiação poderia também criar moléculas orgânicas à superfície de Encélado,
particularmente ao nível das fraturas em listras de tigre. Esta possibilidade
introduz uma complexidade adicional na interpretação dos dados, pois tornaria
difícil distinguir a origem exata dos compostos detetados nas plumas.
O anel E de Saturno com Encélado (ponto negro) e a luz refletida pelos grãos de gelo numa pluma. Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute
A solução definitiva para este
enigma científico poderá vir de uma missão espacial futura. A Agência Espacial
Europeia envisage atualmente um projeto combinando orbitador e aterrador que
poderia atingir Encélado por volta de 2054. Só uma análise direta do gelo
fresco à superfície da lua permitiria confirmar sem ambiguidade a natureza e a
origem da química orgânica detetada à distância pela Cassini.
O oceano subterrâneo de
Encélado
Sob a crosta gelada de Encélado
esconde-se um vasto oceano de água líquida que mantém o seu estado graças à
energia gerada pelas forças de maré exercidas por Saturno. Estas interações
gravitacionais provocam deformações e fricções internas que aquecem o interior
da lua, impedindo a água de congelar completamente.
A presença deste oceano foi
deduzida das medições da libração de Encélado, que revelam que a camada externa
gelada não está solidamente ligada ao núcleo rochoso. Os modelos matemáticos
sugerem que a espessura da camada de gelo varia entre 20 e 25 quilómetros,
enquanto a profundidade do oceano poderia atingir várias dezenas de
quilómetros.
A composição química deste oceano
permanece mal conhecida, mas os dados da Cassini indicam a presença de sais
dissolvidos, nomeadamente cloreto de sódio, similar à composição dos oceanos
terrestres. A deteção de sílicas nanométricas sugere também atividade
hidrotermal no fundo do oceano, onde água quente interage com o núcleo rochoso.
A circulação da água neste
ambiente poderia criar condições favoráveis ao desenvolvimento de processos
químicos complexos, com variações de temperatura e de composição criando
microambientes propícios às reações orgânicas.
As moléculas orgânicas no
espaço
As moléculas orgânicas, definidas
pela presença de átomos de carbono, são muito mais difundidas no Universo do
que se pensava inicialmente. Formam-se nas nuvens moleculares interestelares,
em torno das estrelas nascentes e nos discos protoplanetários, graças a reações
químicas que ocorrem nos grãos de poeira cósmica.
No Sistema Solar, estes compostos
foram detetados nos cometas, asteroides e algumas atmosferas planetárias. Os
meteoritos carbonáceos, como o de Murchison, contêm mais de 70 aminoácidos
diferentes, demonstrando que a química prebiótica é um processo universal que
não se limita à Terra.
A complexidade das moléculas
orgânicas varia consideravelmente, indo desde hidrocarbonetos simples como o
metano até estruturas aromáticas policíclicas e ácidos carboxílicos. A deteção
de moléculas tão complexas como as encontradas em Encélado indica que processos
químicos elaborados podem ocorrer em ambientes extraterrestres.
A persistência destas moléculas
no espaço depende da sua proteção contra a radiação ultravioleta e cósmica. Os
grãos de gelo e poeira atuam como escudos naturais, preservando os compostos
orgânicos frágeis e permitindo a sua acumulação durante longos períodos.
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