Como Titã poderia reescrever a história da vida no Universo

As regras da química em Titã, a maior lua de Saturno, podem estar prestes a ser reescritas. E com isso, vem a reescrita da própria química da vida.

Vista de Titã, a maior lua de Saturno, além dos anéis do planeta. A pequena lua Epimeteu é visível em primeiro plano. Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Uma descoberta inesperada revela como cristais congelados de um composto tóxico, o cianeto de hidrogênio, podem se misturar com hidrocarbonetos líquidos como metano e etano, formando estruturas estáveis ​​sob condições extremas. Essa interação , antes considerada impossível, abre novas perspectivas sobre a química pré-biótica no sistema solar e além.

Experimentos conduzidos no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, combinados com simulações computacionais realizadas pela Universidade de Tecnologia de Chalmers , na Suécia, permitiram aos pesquisadores observar esse fenômeno surpreendente. Eles trabalharam em temperaturas próximas às de Titã, aproximadamente -180°C, onde o cianeto de hidrogênio existe na forma de cristais sólidos.

Em laboratório, descobriram que o metano e o etano, apesar de serem apolares, conseguiam penetrar na estrutura cristalina do cianeto de hidrogênio, criando o que é conhecido como um "cocristal". Essa estabilidade inesperada desafia o princípio químico de que substâncias polares e apolares não se misturam.

O cianeto de hidrogênio é uma molécula polar, ou seja, possui uma extremidade com carga positiva e outra com carga negativa, o que normalmente favorece a formação de ligações com outras moléculas polares. Em contraste, o metano e o etano são hidrocarbonetos apolares, com uma distribuição simétrica de cargas elétricas. Na Terra, essa diferença explicaria por que o óleo e a água não se misturam. No entanto, em Titã, simulações mostraram que esses compostos podem se combinar, formando estruturas cristalinas híbridas estáveis ​​no ambiente gélido da lua.

Essa descoberta tem implicações importantes para a compreensão da química pré-biótica — as reações químicas que podem ter precedido o surgimento da vida. O cianeto de hidrogênio é um precursor fundamental dos aminoácidos, os blocos de construção das proteínas, e das nucleobases do RNA e do DNA. Embora seja tóxico para a vida hoje, pode ter desempenhado um papel crucial na formação das primeiras moléculas biológicas na Terra primitiva. Titã, com seus lagos de hidrocarbonetos e atmosfera rica, oferece um laboratório natural para o estudo desses processos.

A missão Dragonfly da NASA, com chegada prevista a Titã em 2034, verificará essas descobertas coletando amostras de gelo de cianeto de hidrogênio da superfície. Essa missão, equipada com um rotorcraft, explorará diversos locais para analisar a composição química dessa lua. Os pesquisadores esperam descobrir outras interações inesperadas entre moléculas polares e apolares, ampliando nossa compreensão dos ambientes gelados no Universo.

moléculas polares e apolares

Moléculas polares, como o cianeto de hidrogênio, possuem uma distribuição desigual de cargas elétricas, criando um polo positivo e um negativo. Essa polaridade promove interações com outras moléculas polares por meio de atração eletrostática, o que explica por que elas frequentemente se dissolvem em solventes polares como a água.

Moléculas apolares, como o metano e o etano, possuem simetria de carga, o que as torna menos compatíveis com substâncias polares. Em geral, elas preferem se associar a outras moléculas apolares, um princípio resumido pelo ditado "semelhante atrai semelhante".

Em Titã, a descoberta de misturas entre esses dois tipos de moléculas desafia essa regra. As temperaturas extremamente baixas, em torno de -180 °C, permitem que o metano e o etano penetrem nos cristais de cianeto de hidrogênio, formando cocristais estáveis. Essa interação é facilitada pela estrutura cristalina, que pode acomodar moléculas apolares em seus interstícios.

Essa exceção abre caminho para novas pesquisas sobre mistura molecular em ambientes frios, como nuvens interestelares ou cometas, onde reações semelhantes poderiam ocorrer.

Química prebiótica e as origens da vida

A química pré-biótica estuda as reações químicas que podem ter levado ao surgimento da vida na Terra há aproximadamente 4 bilhões de anos. Ela se concentra na formação de moléculas orgânicas complexas a partir de compostos simples em condições naturais.

O cianeto de hidrogênio é considerado um precursor importante nesse processo. Ele pode reagir com outras moléculas para formar aminoácidos, os blocos de construção das proteínas, que são essenciais para a vida. Também desempenha um papel na síntese de nucleobases, componentes do RNA e do DNA.

Titã, com seus lagos de hidrocarbonetos e atmosfera rica em nitrogênio, assemelha-se a uma versão gelada da Terra primitiva. Interações entre cianeto de hidrogênio e hidrocarbonetos poderiam simular etapas-chave da química pré-biótica naquele planeta, apesar das temperaturas hostis.

Ao compreender esses mecanismos em Titã, os cientistas esperam esclarecer como a vida surgiu na Terra e se processos semelhantes são possíveis em outros lugares do universo, por exemplo, em exoplanetas ou outras luas geladas.

Techno-science.net

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