Um telescópio no deserto olhou um bilhão de anos para trás e descobriu algo incrível
Cerca de um bilhão de anos após o Big Bang, o universo vivenciou o período conhecido como Época da Reionização, quando os átomos neutros de hidrogênio que preenchiam o cosmos passaram a ser ionizados pela luz ultravioleta das primeiras estrelas.
Um telescópio detectou um sinal vindo do universo primitivo. Crédito: HypeScience.com
Porém, exatamente como começou
essa transição — o que se poderia chamar de “como o universo levantou da cama”
— era um mistério delicioso.
Uma nova análise de mais de dez
anos de observações com o rádio-telescópio Murchison Widefield Array (MWA)
mostrou que esse despertar não foi gelado como muitos supunham: o aquecimento
já rolava antes da festa começar.
O que o MWA fez no deserto
Localizado no interior da
Austrália Ocidental, no observatório de rádio da Curtin University e parceiros,
o MWA funciona na faixa de 70 a 300 MHz, projetado justamente para detectar a
emissão de hidrogênio neutro na época remota.
Os pesquisadores mineraram dez
anos de registros (ou mais) para descartar sinais indesejados — estrelas mais
próximas, galáxias “barulhentas”, até interferência da atmosfera terrestre. E o
resultado? A ausência de indício claro de que o universo estava extremamente
frio naquele momento — o que invalida a hipótese de um “começo gelado” para a
reionização.
Segundo a equipe da Curtin
University, liderada por Cathryn Trott e Ridhima Nunhokee, o aquecimento
provavelmente teve a ver com raios-X originados de buracos negros primordiais
ou remanescentes estelares.
Como sabemos que o
universo esquentou antes da festa começar
A técnica do “silêncio que
fala”
Se o universo estivesse congelado
antes da reionização, haveria um tipo específico de sinal na linha de 21 cm do
hidrogênio que os astrônomos poderiam detectar — mas não encontraram o padrão
esperado.
Trabalhar com ruído cósmico,
interferência terrestre e galáxias próximas é como separar pérolas de um lago
com peixes barulhentos: o time fez muita subtração de “foregrounds” para chegar
ao que importava.
Essa ausência é, curiosamente, um
sinal de presença: ela indica que o meio-intergaláctico já estava quente o
suficiente para mudar o comportamento do gás — a hipótese de “começo gelado”
para a reionização foi descartada.
Por que isso importa para
o panorama cosmológico
A detecção da emissão de
hidrogênio neutro (linha de 21 cm) é uma das promessas mais empolgantes da
cosmologia observacional: permite sondar a chamada “Idade das Trevas” do
universo quando as primeiras estrelas ainda não tinham nascido.
Saber que o gás intergaláctico
pode ter sido aquecido por buracos negros ou fontes de raios-X bem cedo muda
nossas estimativas de como as galáxias se formaram e como os ambientes ao redor
evoluíram. Isso gera impacto nas simulações de evolução cósmica e na
interpretação de observações do James Webb Space Telescope ou do futuro Square
Kilometre Array.
Além disso, esse aquecimento
prévio reduz amplitude a de temperatura que os modelos teriam que considerar —
o universo não ficou em modo “freezer” antes de acender a luz.
Curiosidades que fazem a
cabeça virar
·
O MWA está situado em uma região extremamente
remota da Austrália — o silêncio rádio é fundamental para detectar sinais tão
fracos.
·
O gás intergaláctico era predominantemente de
hidrogênio neutro desde aproximadamente 380 000 anos após o Big Bang até o
início da reionização.
·
Uma analogia: pense no universo como um bolo
que esfriou, mas depois o forno voltou ao pré-aquecimento antes mesmo de o
fermento ser ativado — aqui os “fermentos” seriam as primeiras estrelas, e os
“raios-X” os aquecedores antecipados.
·
A linha de 21 cm é como uma “radiografia” do
universo jovem — captá-la significa ver além da névoa primordial.
O que vem pela frente e o
que ainda está em aberto
Ainda não foi detectado com
clareza o sinal exato previsto para o início da reionização — ou seja: o
“click” da transição ainda escorrega pelos dedos dos astrônomos. A equipe
afirma que já sabemos que o universo não era super – frio, mas quanto quente estava
exatamente e quais foram os agentes dominantes desse aquecimento ainda são
perguntas em aberto.
Projetos futuros, como o Square
Kilometre Array, prometem sensibilidade muito maior e poderão capturar essa
assinatura fantasma com mais clareza.
Além disso, entender o impacto
desses aquecedores precoces (buracos negros, raios-X, supernovas das primeiras
estrelas) ajudará a calibrar melhor os modelos da evolução cósmica — e talvez
teremos de ajustar o “script” de nossa interpretação do universo antigo.
No fim das contas, descobrimos
que o universo pode não ter sido tão gelado antes de acender as luzes estelares
— e isso me empolga bastante: saber que, em vez de um silêncio congelado, havia
um murmurinho quente no cosmos faz a história cósmica parecer mais viva, mais
dinâmica.
Hypescience.com

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