Você só enxerga 1% do Universo
Imagine só a situação. Você coloca na balança 10 bolinhas de gude, pesando 1 grama cada uma, e logicamente espera obter um peso total de 10 gramas. Só que, em vez disso, a balança registra 1000 gramas, um número 100 vezes maior. Pergunta: o que mais pode haver na balança além das bolinhas? Trocando os brinquedos pelos astros, a mesma pergunta pode ser feita a respeito do Universo, pois somando toda a matéria contida em estrelas, planetas, galáxias e qualquer outro astro conhecido chega-se, no máximo, a 1% de tudo o que existe lá fora. Os 99% restantes são uma incógnita. Uma massa que não brilha e não reflete luz. Por isso passou a ser chamada de matéria escura. "Determinar a quantidade total e a natureza exata dessa massa desconhecida é hoje a tarefa mais importante dos estudiosos do Universo", disse à SUPER o cosmologista David Schramm, da Universidade de Chicago.
Galáxias além do limite de velocidade - A primeira suspeita de que o Universo escondia uma imensa quantidade de matéria invisível, que não podia ser captada pelos telescópios, surgiu no início da década de 30. O alerta foi dado pelo astrônomo Fritz Zwicky, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, ao avaliar a velocidade das galáxias mais distantes conhecidas à época. Era um desafio, mas não havia como errar. Zwicky sabia muito bem que se um astro está se aproximando da Terra sua cor fica mais azulada, e se ele está se afastando, o tom tende para o vermelho. Mas depois de fazer as medidas, o cientista ficou espantado com a alta velocidade das galáxias. Em parte, elas estavam se movendo devido aos puxões gravitacionais que umas dão nas outras e vice-versa. Mas a força das galáxias, apenas, não dava para explicar a correria no céu. Zwicky, então, chegou à conclusão lógica de que devia haver alguma coisa escondida lá em cima. Alguma forma de matéria desconhecida, capaz de acelerar as galáxias com sua gravidade.
Cada vez maior - Hoje, é certo que essa massa invisível está em toda parte. E seu tamanho só faz aumentar. Apelidada de matéria escura, porque não brilha e não reflete a luz de outros astros, já se admite este ano que seu peso pode ser 50 ou mesmo 100 vezes maior que o de toda a parte brilhante e visível do Cosmo. Na busca da proporção exata, o fator decisivo parece ser a distância. “Quanto mais longe procuramos, mais matéria escura descobrimos”, explicou à SUPER o cosmologista David Schramm, da Universidade de Chicago, um dos mais importantes pesquisadores da área. Por isso, o plano agora é ampliar o campo de observação de modo a abarcar um pedaço maior do Universo. A matéria escura já está sendo mapeada num raio de 150 milhões de anos-luz em torno da Terra (1 ano-luz mede 9,5 trilhões de quilômetros). Mas nos próximos anos essa fronteira deve ser multiplicada por três, chegando aos 500 milhões de anos-luz. “Aí, vamos encontrar a resposta”, animou-se ao telefone o astrofísico americano Alan Dressler, dos Observatórios Carnegie.
Nas trevas está o futuro do mundo - É impressionante descobrir que a maior parte do Universo não aparece nos telescópios. Mal se pode dizer de que tipo de matéria ele é feito. Só a curiosidade valeria o empenho dos cientistas. Mas o fato é que, sem medir o tamanho desse fantasma cósmico, não será possível alcançar uma meta prodigiosa, que hoje mobiliza alguns dos cérebros mais criativos da Astronomia: avaliar, sem erro, a quantidade total de matéria existente no Cosmo. Eles querem colocar tudo o que existe na balança para ver quanto pesa. Hoje, contando apenas a fração luminosa do Cosmo, estima-se que, em média, existe apenas um átomo a cada 1 000 metros cúbicos. Incluindo a matéria escura, o total de átomos pode chegar a 50 ou 100. E a chave do futuro está nessa imensa escuridão. Os cosmologistas dizem que, se souberem o peso do mundo, poderão prever o seu futuro. Para entender essa ligação entre a massa e o destino do Universo, basta lembrar que no instante do seu nascimento o Cosmo era minúsculo. Não passava de uma microesfera terrivelmente comprimida. Então, há cerca de 15 bilhões de anos, empurrado pela força de um grande estouro, batizado de Big Bang, o Universo começou a inflar como um balão de borracha.
Dois destinos - Por isso é que tudo agora depende do seu peso. Se este for pequeno comparado à energia do Big Bang, a expansão está destinada a prosseguir eternamente. O espaço ficará cada vez mais vazio, num processo sem fim. O limite aqui é justamente 100 átomos em cada 1 000 metros cúbicos. Se a massa cósmica for maior que isso, o impulso inicial não poderá jogá-la muito longe. Assim, dentro de alguns bilhões de anos, o Cosmo voltará a encolher, e mais cedo ou mais tarde vai esmagar as galáxias e as estrelas num espaço cada vez menor. No final, reduzido a um caroço menor que um átomo, ele terá retornado ao estágio em que tudo começou. O de uma microesfera pronta para explodir novamente. Como se vê, são dois destinos radicalmente divergentes. Mas a ciência só vai saber qual deles está reservado para o Universo quando for capaz de determinar o montante exato do seu lado negro. E o pior é que esse lado não pode ser observado diretamente. Como disse uma pioneira no estudo da matéria escura, a americana Vera Rubin, do Instituto Carnegie, “a natureza pregou uma peça nos astrônomos”. Eles pensavam que podiam ver praticamente tudo no Universo brilhava. “Agora sabemos que só podemos estudar uma pequena fração dele, a que é brilhante”.
Quem são os personagens da novela - Existe pelo menos um bom motivo para se pensar que a quantidade de matéria escura no Universo é exatamente cem vezes maior do que a de matéria comum. É que essa proporção é prevista pela própria teoria do Big Bang. Ela descreve, com muito sucesso, toda a história do mundo desde o seu início até hoje. E ninguém gostaria de descobrir que ela contém um defeito sério. Na teoria, a massa total do Universo é chamada de ômega e seu valor é representado pelo número 1. Na prática, se ômega for 1, deveria haver, em média, uns 100 átomos em cada 1 000 metros cúbicos do Universo. Mas contando apenas os átomos da matéria visível, essa densidade fica cem vezes menor, caindo para 1 átomo em 1 000 metros cúbicos. Um balanço de todas as pesquisas já realizadas até agora mostra que ainda é muito cedo para tentar adivinhar o valor de ômega. Embora as estimativas estejam apontando números cada vez mais altos, os dados são imprecisos e algumas vezes contraditórios. Além disso, não basta saber o tamanho do fantasma. Os cosmologistas também pretendem descobrir do que ele é feito. Há quem imagine objetos exotéricos, como gigantescas fitas de energia pura, cristalizadas no vazio entre as galáxias desde a época do Big Bang.
Estrelas sem brilho - Mas as propostas mais razoáveis, na verdade, são as mais simples. É possível que uma parte da matéria escura sejam estrelas mesmo, mas pequenas demais para brilhar. Várias delas têm sido identificadas na periferia das galáxias vizinhas. Só que seu número, de acordo com todas as estimativas recentes, nem de longe seria suficiente para fazer ômega ficar igual a 1. Uma possibilidade mais interessante são partículas subatômicas chamadas neutrinos. Não se sabe se eles têm massa, e nesse caso, não poderiam contribuir para o peso do Universo. A vantagem é que existem em número fabuloso. Contando apenas os que são produzidos pelo Sol e chegam aqui na Terra, cada centímetro do nosso corpo é atravessado por 60 bilhões de neutrinos por segundo. Ou seja, se tiverem peso, serão eles, com certeza, os protagonistas de toda essa história das trevas. Que se torna cada dia mais clara.
Fonte: http://super.abril.com.br
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