Mapeando a matéria escura a 4,5 bilhões de anos-luz de distância

O enxame galáctico MCS J0416.1–2403, um dos seis alvos do programa Fontier Fields do Hubble. O azul nesta imagem é o mapa de massa criado usando novas observações do Hubble combinadas com o poder de ampliação de um processo conhecido como lente gravitacional. Em vermelho, está o gás quente detectado pelo Observatório de raios-X Chandra da NASA e mostra a localização do gás no enxame. A matéria vista em azul está separada das áreas vermelhas detectadas pelo Chandra e consiste do que é conhecido como matéria escura, que pode apenas ser detectada directamente pelo efeito de lente gravitacional.  Crédito: ESA/Hubble, NASA, Frontier Fields do Hubble; reconhecimento: Mathilde Jauzac (Universidade de Durham, Reino Unido) e Jean-Paul Kneib (École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça)

Com o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA, uma equipe internacional de astrónomos mapeou, com uma precisão sem precedentes, a massa dentro de um enxame de galáxias. Criado usando observações do programa Frontier Fields do Hubble, o mapa mostra a quantidade e distribuição de massa dentro de MCS J0416.1-2403, um enorme aglomerado de galáxias com cerca de 160 biliões de vezes a massa do Sol. O detalhe neste "mapa da massa" foi possível graças à profundidade sem igual dos dados recolhidos pelo Hubble e a um fenómeno cósmico conhecido como lente gravitacional forte. A equipa, liderada pela Dra. Mathilde Jauzac da Universidade de Durham no Reino Unido e pela Unidade de Pesquisa em Astrofísica e Cosmologia da África do Sul, publicou os seus resultados na revista Monthly Notices da Sociedade Astronómica Real.

A medição da quantidade e distribuição da massa dentro de objectos distantes no Universo pode ser muito difícil. Um truque usado regularmente pelos astrónomos é explorar os conteúdos de grandes enxames de galáxias estudando os efeitos gravitacionais que têm sobre a luz de objectos ainda mais distantes. Este é um dos objectivos principais do Frontier Fields do Hubble, um ambicioso programa de observação que analisa seis enxames galácticos diferentes - incluindo MCS J0416.1-2403. Cerca de três-quartos de toda a matéria no Universo é a chamada "matéria escura", que não pode ser vista directamente, uma vez que não emite nem reflecte luz e pode passar por outra matéria sem fricção (sem colisões). Ela interage apenas pela força da gravidade e a sua presença tem que ser deduzida a partir dos seus efeitos gravitacionais.

Um destes efeitos foi previsto pela teoria geral da relatividade de Einstein e observa grandes aglomerados de massa no Universo que curvam e distorcem o espaço-tempo em seu redor. Agindo como lentes, parecem ampliar e dobrar a luz que viaja através deles a partir de objectos mais distantes. Esta é uma das poucas técnicas que os astrónomos podem usar para estudar a matéria escura. Apesar das suas grandes massas, o efeito dos enxames galácticos nos seus arredores é geralmente mínimo. Na maioria, provocam o que se chama de lente fraca, fazendo com que fontes mais distantes pareçam apenas ligeiramente mais elípticas ou manchadas no céu. No entanto, quando o enxame é suficientemente grande e denso e o alinhamento entre o enxame e o objecto distante é ideal, os efeitos podem ser mais dramáticos.

As imagens das galáxias normais podem ser transformadas em anéis e grandes arcos de luz, aparecendo até várias vezes na mesma imagem. Este efeito é conhecido como lente gravitacional forte e é este fenómeno, visto em torno dos seis enxames galácticos do programa Frontier Fields, que tem sido usado para mapear a distribuição de massa de MCS J0416.1-2403, utilizando os novos dados do Hubble. "A profundidade dos dados permite-nos ver objectos muito ténues e identificar, mais do que nunca, galáxias fortemente atingidas pelo fenómeno de lente gravitacional," explica a Dra. Jauzac, autora principal do novo artigo.
Esta imagem do Telescópio Espacial Hubble mostra o enxame galáctico MCS J0416.1-2403. É um de seis enxames estudados no programa Frontier Fields, um programa para analisar a distribuição de massa nestes enxames gigantescos, combinados com o fenómeno de lente gravitacional. Uma equipa de investigadores usou quase 200 imagens de galáxias distantes, cuja luz foi distorcida e ampliada por este grande enxame, para medir a sua massa total. Na imagem, estão a vermelho as galáxias atingidas pelo efeito de lente gravitacional usadas no estudo.  Crédito: ESA/Hubble, NASA, Frontier Fields do Hubble; reconhecimento: Mathilde Jauzac (Universidade de Durham, Reino Unido) e Jean-Paul Kneib (École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça)

"Apesar das lentes fortes ampliarem as galáxias de fundo, elas estão ainda muito distantes e são muito fracas. A profundidade destes dados significa que podemos identificar galáxias de fundo incrivelmente distantes. Conhecemos agora mais de quatro vezes mais exemplos de galáxias fortemente atingidas pelo fenómeno de lente gravitacional no enxame. Utilizando o instrumento ACS (Advanced Camera for Surveys) do Hubble, os astrónomos identificaram 51 novas galáxias multiplicadas em todo o enxame, quadruplicando o número determinado em estudos anteriores e elevando o número de galáxias atingidas pelo fenómeno de lente gravitacional até 68. Tendo em conta que estas galáxias são vistas várias vezes, isto equivale a quase 200 imagens individuais fortemente atingidas por lentes gravitacionais. Este efeito permitiu a Jauzac e à sua equipa calcularem a distribuição de matéria visível e escura no enxame e a produzirem um mapa da sua massa.

"Há mais de vinte anos que sabemos como construir um mapa de um enxame usando lentes gravitacionais, mas precisámos de tempo para possuírmos telescópios que possam fazer observações suficientemente profundas e nítidas, e para os nossos modelos se tornarem suficientemente sofisticados para mapearmos, com tantos detalhes, um sistema tão complicado como MCS J0416.1-2403," comenta Jean-Paul Kneib, membro da equipe. Ao estudar 57 das galáxias mais confiáveis e claramente distorcidas, os astrónomos modelaram a massa da matéria normal e escura dentro de MCS J0416.1-2403. "O nosso mapa tem o dobro da qualidade dos modelos anteriores deste enxame!" acrescenta Jauzac.

Determinou-se que a massa total do enxame MCS J0416.1-2403 - com um diâmetro modelado de mais de 650.000 anos-luz - equivale a 160 biliões de vezes a massa do Sol. Com uma incerteza de 0,5%, esta medição é a mais precisa alguma vez produzida para um enxame galáctico. Ao identificar precisamente onde a massa reside dentro de grupos como este, os astrónomos também estão a medir a curvatura do espaço-tempo com alta precisão. As observações e técnicas de lentes gravitacionais do Frontier Fields abriram uma maneira de caracterizar estes objectos com muita precisão - neste caso, um enxame tão distante que a sua luz levou 4,5 mil milhões de anos até cá chegar," acrescenta Jean-Paul Kneib.

"Mas não vamos parar por aqui. Para termos uma imagem completa da massa precisamos também de incluir medições de lentes fracas. Embora apenas forneça uma estimativa aproximada da massa do núcleo interior do enxame, as lentes fracas dão-nos informações valiosas acerca da massa que rodeia o núcleo do enxame. A equipe vai continuar a estudar o enxame com imagens ultra-profundas do Hubble e informações detalhadas de lentes fortes e fracas, com o objectivo de mapear as regiões exteriores do enxame bem como do seu núcleo interior, e assim será capaz de detectar subestruturas nos arredores do enxame.

Vão também usar medições em raios-X de gás quente pelo Chandra e "redshifts" espectroscópicos feitos a partir de observatórios terrestres para mapear o conteúdo do enxame, avaliando a respectiva contribuição da matéria escura, do gás e das estrelas. A combinação destas fontes de dados vai aumentar ainda mais os detalhes deste mapa de distribuição de massa, mostrando-o em 3D e incluindo as velocidades relativas das suas galáxias. Isto abre o caminho para a compreensão da história e evolução deste aglomerado galáctico.
Fonte: Astronomia On-Line - Portugal

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