Cientistas encontram água líquida em Marte, descoberta que pode transformar busca por vida
© Science Photo Library Descoberta de lago subterrâneo, após anos de análise de dados de sonda espacial lançada em 2003, aumenta chances de se encontrar vida no planeta.
Cientistas da Agência Espacial
Italiana anunciaram nesta quarta-feira que existe água líquida em Marte, de
forma constante. Para especialistas,
essa descoberta, de um reservatório subterrâneo permanente de água líquida,
aumenta consideravelmente as chances de haver vida no planeta.
"Foram anos de debate e
investigações, ficamos anos discutindo se isso era mesmo possível. Mas agora
podemos dizer: descobrimos água em Marte", disse o astrônomo Roberto
Orosei, pesquisador da Universidade de Bolonha e principal autor da descoberta. A água líquida e perene foi encontrada 1,5 km
abaixo de uma camada de gelo, próxima ao Polo Sul de Marte. "Trata-se de
um lago com 20 quilômetros de diâmetro", contou Orosei. A descoberta será
publicada na revista Science desta semana.
"Sem água, nenhuma forma de
vida como a conhecemos poderia existir. Por isso é grande o interesse na
detecção de água líquida em outros planetas", contextualiza a pesquisadora
Anja Diez, do Instituto Polar Norueguês.
"Acidentes geográficos como
vales mostram que água líquida deve ter sido presente em Marte no passado. Mas
apenas pequenas quantidades de água gasosa haviam sido identificadas na
atmosfera, além de água congelada. Gotículas de água foram vistas condensando e
havia a hipótese de água líquida em encostas durante o verão marciano. Corpos
estáveis de água líquida, entretanto, até o momento não haviam sido
encontrados."
A descoberta da equipe de Orosei
baseou-se em análise de dados obtidos por radar da missão Mars Express, sonda
espacial lançada em 2003 pela Agência Espacial Europeia e pela Agência Espacial
Italiana.
Em conversa com a BBC News
Brasil, Orosei ressalta o ineditismo da notícia. "Até o momento, é o único
lago descoberto em Marte até agora", afirma. Ele explica, entretanto, que
não é possível calcular o volume total de água.
"Em comparação com os lagos
terrestres, é um lago pequeno com seus 20 quilômetros de diâmetro. Mas não
conseguimos saber a profundidade do lago porque a água atenua o sinal do radar.
O que sabemos é que (a profundidade) é de pelo menos de um metro - ou o radar
não seria capaz de revelar sua existência", diz o astrônomo. "Mesmo
no caso mais pessimista, portanto, acredito que o volume de água deve ser de
várias centenas de milhões de metros cúbicos."
Orosei acredita que esta
descoberta seja só a primeira. "É apenas a primeira descoberta de uma
quantidade grande de água líquida em Marte. Mas sob as calotas deve haver muito
mais", aposta.
Método
Orosei e sua equipe utilizaram dados
do Marsis coletados entre maio de 2012 e dezembro de 2015, garantindo, assim,
que todas as estações do ano fossem contempladas, com as variações de
temperatura que existem em Marte - onde o inverno pode chegar a 140 graus
negativos, e o verão a 30 positivos. Um ano marciano é praticamente o dobro do
terrestre.
Os cientistas obtiveram 29
conjuntos de amostragem do radar e identificaram um ponto em que havia uma
mudança muito acentuada do sinal propagado. O perfil identificado pelos os
pesquisadores era praticamente igual ao dos lagos de água líquida encontrados
sob as calotas do Ártico e da Antártida, na Terra. Ou seja: Marte também tem
pelo menos um grande lago subglacial.
"Acreditamos que a água
esteja líquida e em temperatura abaixo do ponto de congelamento da água pura,
cerca de 10 graus negativos", comenta Orosei. "Isto ocorre porque se
trata de uma água altamente salinizada, com altas concentrações de magnésio,
cálcio e sódio, elementos conhecidos por estarem presentes em rochas marcianas."
A salmoura, conforme explica o cientista, somada à pressão do gelo do topo, é
capaz de reduzir o ponto de fusão - água geladíssima, portanto, mas ainda
líquida.
Conforme aponta Diez, essa
concentração alta de sais pode levar o ponto de fusão a 74 graus negativos.
Será que existe vida em Marte?
"Certamente essas não são as
condições mais aprazíveis para qualquer tipo de vida", afirma Orosei.
"Mas sabemos que em condições semelhantes, em lagos da Antártida, há
alguns organismos pluricelulares que sobrevivem."
A descoberta, portanto, é mais
uma que se soma a tantas outras recentes que trazem indícios de vida no Planeta
Vermelho.
No mês passado, duas pesquisas
publicadas também na Science esquentaram ainda mais essa perspectiva. Ambas
foram realizadas por cientistas da Nasa, a agência espacial americana, a partir
de dados coletados pelo rover Curiosity, o jipinho que explora o planeta desde
2012.
A primeira pesquisa apurou que
variações de temperatura em Marte causam a liberação do gás metano, aqui na
Terra sempre associado ao desenvolvimento da vida. Foi a primeira vez que se
comprovou a presença de tal elemento de forma consistente na atmosfera marciana
- desde 2004, apenas vestígios esporádicos eram registrados. O metano, por ser
a molécula orgânica mais simples, é considerado uma bioassinatura, um indício
potencial de processos biológicos.
Um segundo estudo encontrou
compostos orgânicos incrustrados em rochas de Marte. Vestígios de moléculas
orgânicas - como o tiofeno, o metanotiol e o dimetilsulfureto, foram
encontradas impregnadas em amostras de solo de 3 bilhões de anos atrás.
Água e vida
Curiosamente, o imaginário humano
de que Marte seria povoado por homenzinhos verdes está intimamente ligado à uma
observação errônea que apontava para canais de água no planeta. Conforme conta o físico
brasileiro Ivair Gontijo, integrante da equipe do Curiosity, em seu
recém-lançado livro A Caminho de Marte, o rebuliço começou com um astrônomo
italiano chamado Giovanni Schiaparelli (1835-1910).
Sem querer, ele alimentou o
imaginário humano com possibilidades de marcianinhos. Isto porque em 1878 ele
fez um mapa da superfície de Marte. "Incluiu linhas finas escuras e as
chamou de 'canali'", escreve Gontijo. "Foi aí que começou a confusão.
Em italiano ou português, a palavra 'canal' não faz distinção entre estruturas
naturais e artificiais, mas em inglês não é assim. Nessa língua existem duas palavras:
'channel' é um canal natural, enquanto 'canal' designa uma estrutura
artificial."
Traduziram como 'canal'. E estava
armada a sequência de mal-entendidos.
O desserviço acabou sendo
prestado, na sequência, pelo empresário e astrônomo amador Percival Lowell
(1855-1916). Ele começou a observar o Planeta Vermelho e os tais canais. Em
1895 publicou um livro, Mars, no qual descreveu que Marte tinha vida
inteligente e que os marcianos tinham construído um sistema sofisticado de
dutos para levar água dos polos e irrigar as plantações. Essas ideias só
começaram a ser descartadas completamente a partir de 1965, quando a espaçonave
não-tripulada Mariner 4 fez um sobrevoo em Marte.
Pode haver vida em Marte? Sim, e
talvez essa seja a notícia que os astrônomos mais queiram dar. Provavelmente
seria uma vida precária. Como dizia o astrônomo e escritor americano Carl Sagan
(1934-1996), "o pior e mais inóspito lugar da Terra ainda é um paraíso se
comparado com qualquer lugar de Marte".
As pistas dessa natureza nada
atraente para nós estão nos dados que o próprio Gontijo dispõe em seu livro: a
atmosfera marciana é rarefeita e praticamente formada apenas por gás carbônico
(95,3% do total) e com uma pressão atmosférica baixíssima, cerca de 1% do nível
do mar terrestre.
Fora da Terra
Uma outra pesquisa astronômica
publicada nesta semana apontou indícios de vida extraterrestre. No caso, vida
lunática. De acordo com estudo realizado pela Universidade Estadual de
Washington, dos Estados Unidos, e publicado no periódico especializado
Astrobiology, há 4 bilhões de anos, a superfície lunar tinha condições para
abrigar vida.
Essa habitabilidade teria se
repetido em outro ciclo 500 milhões de anos mais tarde, conforme a conclusão
dos cientistas. O autor da pesquisa, o astrobiólogo Dirk Schulze-Makuch,
baseou-se em dados de emissões de gases para chegar a tais conclusões. Entre
esses gases, ele comprovou que havia até vapor d'água. Os pesquisadores
acreditam que, durante esses ciclos de tempo de "vida transitória", a
Lua chegou a ter lagos de água líquida, como consequência de atividades
geológicas e erupções vulcânicas.
Os cientistas analisaram amostras
de solo lunar para chegar a tais conclusões.
Fonte: MSN
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