Estrela ‘desligada’ por corpo misterioso ainda intriga cientistas
Uma estrela 100 vezes maior do
que o sol desapareceu no centro da Via Láctea em 2012. Após muitas teorias,
cientistas ainda tentam entender o evento.
Representação artística da VVV-WIT-08 sendo obstruída por um corpo desconhecido (Ilustração: Amanda Smith)
Você tem o hábito de olhar as
estrelas? Imagine que após muitas noites de observação, percebesse o brilho da
sua estrela favorita ficando cada dia mais fraco ou mais forte. Para astrônomos
com o telescópio certo em mãos, não seria uma visão incomum.
Essas estrelas são conhecidas
como ‘variáveis’, pois quando observadas da Terra, apresentam variações de
brilho de acordo com o tempo.
Mas em 2012, um evento desafiou o
entendimento dos especialistas: uma estrela 100 vezes maior do que o sol
desapareceu no centro da Via Láctea. Ao longo de 200 dias o astro foi perdendo
seu brilho até ficar praticamente invisível.
Como se o desaparecimento não
fosse estranho o suficiente, a nomeada WIT-08 retomou o seu brilho original na
mesma intensidade e velocidade que o perdeu.
“Olhávamos as imagens tiradas
pelo telescópio e a estrela estava lá. Menos de um ano depois, não estava mais.
Olhamos novamente: está lá de novo. É algo que realmente não era esperado”,
conta o professor do departamento de física da UFSC, Dr. Roberto K. Saito, à
ISTOÉ
Saito é um dos pesquisadores
brasileiros do projeto VVV, ou Vista Variáveis na Via Láctea, que utilizou o
telescópio VISTA, localizado no Chile, para analisar mais de um bilhão de
estrelas da nossa galáxia.
Para encontrar casos intrigantes
como o da VVV-WIT 08, os pesquisadores utilizam algoritmos para filtrar
estrelas que apresentam grande variação de brilho.
Por que a VVV-WIT 08 é
diferente?
Estrelas variáveis ‘comuns’
possuem comportamentos facilmente reconhecidos pelos especialistas. Por
exemplo: as pulsantes variam por conta da expansão ou contração de suas
camadas, diferente das rotacionais, onde o brilho muda de acordo com a rotação
da estrela em relação ao observador.
Quando não se encaixam nessas
categorias tradicionais, elas são classificadas pelo VVV como WIT, ou ‘What is
This’ (‘O que é isso’, em português).
“A gente não conhece nenhum
processo químico ou físico no interior de uma estrela que fizesse ela ‘desligar
e ligar’ dessa forma. Portanto, nossa primeira hipótese foi que essa estrela
está sendo ocultada por um outro corpo”, explica o professor
As referências de corpos no nosso
sistema solar, como asteroides, planetas, não se encaixam em nenhuma das
explicações comuns.
‘Basta imaginar que temos o sol e
os planetas passando em sua frente. Através de um telescópio, o tamanho do
planeta comparado ao da estrela é minúsculo, estamos falando de uma perda de
brilho de 1% no caso de Júpiter’
A pergunta é: que tipo de objeto
seria grande o suficiente para ocultar 97% do brilho de uma estrela bem maior
do que o Sol?
Em busca de respostas
Para tentar entender o evento o
grupo de pesquisadores recorreu a um telescópio que tem o Brasil como
coproprietário através do Ministério da Ciência: o SOAR (Southern Astronomical
Research Telescope), também localizado no Chile.
Unindo os dados do telescópio
VISTA com a análise de espectro infravermelho e ótico do SOAR, foi possível
determinar que esse ‘eclipse’ parece ser o mesmo em todos os comprimentos de
onda, ou seja, em todas as cores em que foi observado.
Essa é uma característica
clássica de um corpo sólido e bastante opaco. O grupo também conseguiu
determinar que não se trata de nenhuma interferência no caminho entre a Terra e
a estrela.
“Não conhecemos nada que passaria
tão lentamente no meio do caminho, cerca de 200 dias, com o tamanho exato para
ocultar 97% do brilho”, aponta Dr. Luciano Fraga, que é coordenador do
Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), unidade de pesquisa vinculada ao
MCTI, responsável por gerenciar a parte brasileira do Telescópio SOAR
Jogo de paciência
Isso significa que o objeto
gigantesco misterioso está bem próximo, ou até mesmo na órbita da estrela? Os
pesquisadores acreditam que sim, mas ainda não foi possível confirmar as
hipóteses, já que o ‘desligamento’ da WIT-08 nunca mais aconteceu desde 2012.
A lentidão do evento é um dos
grandes empecilhos para a resolução desse mistério, e tudo o que os cientistas
podem fazer é torcer para que aconteça novamente. Os últimos dados foram
observados no início de 2023 e nada parecido foi detectado.
Estrutura alienígena ou
planeta perdido?
Eventos misteriosos dão abertura
para teorias vindas diretamente de um livro de ficção científica. Seria o
objeto gigante uma Esfera de Dyson, uma estrutura capaz de coletar energia
diretamente de estrelas gigantes?
Dr. Saito acredita em explicações
mais alinhadas com o nosso conhecimento do universo e da Via Láctea, como os
recém estudados ‘planetas flutuantes’, que percorrem o espaço sem uma órbita
definida, ou um denso disco de poeira no centro da galáxia.
“Estudos recentes mostraram
outras estrelas com comportamento parecido concentradas em uma parte específica
da galáxia. Bem concentradas ali no centro galáctico, uma dezena de estrelas
que apresentam perda irregular de brilho”, explica.
Comportamento parecido, mas não
igual. Segundo a dupla de brasileiros do VVV, ainda não houve nenhuma
observação como a de 2012, com queda acentuada de brilho e obscurecimento quase
total.
De olho no futuro
A ideia agora é continuar
observando as curvas de luz com o Vista e também olhar para o futuro. O
esperado telescópio espacial infravermelho Nancy Grace Roman Space Telescope
poderá fazer observações mais completas diretamente do espaço.
“Buscar o desconhecido: isso é o
mais bonito do que a gente faz. Se estivermos observando mais estrelas, a
possibilidade de encontrar algo raro e diferente é ainda maior”, finaliza
Fonte: Revistaplaneta.com.br
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